ANTES DA UNE
O primeiro curso superior do Brasil foi criado em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao país. Durante todo o século 19, o ensino superior brasileiro esteve restrito a uma parcela extremamente limitada da população, com pouquíssimas instituições no país. No entanto, logo no início do século 20, com o crescimento da industrialização e das cidades, os estudantes também cresceram em número e importância.
O movimento estudantil tem seus primórdios em 1901, quando é criada a Federação dos Estudantes Brasileiros, entidade pioneira, porém que teve pouco tempo de atuação. Já em 1910 é realizado o I Congresso Nacional de Estudantes, em São Paulo. O rápido aumento do número de escolas, nas primeiras décadas do século, acompanhou também a rápida organização coletiva dos jovens, que desde o início de sua atuação, estiveram envolvidos com as principais questões do país.
A partir da Revolução de 1930, a politização do ambiente nacional levou os estudantes a atuarem firmemente em organizações como a Juventude Comunista e a Juventude Integralista. A diversidade de opiniões e propostas crescia, assim como o desejo de todos em formar uma única entidade representativa, forte e legítima, para promover a defesa da qualidade de ensino, do patrimônio nacional e da justiça social.
ANOS 50 INÍCIO DA DÉCADA DE 60
Após a Guerra, a UNE fortaleceu a sua participação e posicionamento frente aos principais assuntos nacionais, fortalecendo o movimento social brasileiro em ações como a defesa do petróleo, que começava a ser mais explorado no país. Após a promulgação da Constituição de 1946, foi travado um grande debate entre os que admitiam a entrada de empresas estrangeiras para a extração, e os que defendiam o monopólio nacional. A UNE foi protagonista nesse momento com a campanha “O Petróleo é Nosso”. A luta prosseguiu até 1953, quando se deu a criação da Petrobras.
Durante os anos 50, houve muita disputa pelo poder na entidade, um embate diretamente ligado aos principais episódios políticos do país como a crise política do governo Vargas que levaria ao suicídio deste presidente em 1954. Após o governo de Juscelino Kubitschek, foram eleitos Jânio Quadros e João Goulart, o Jango. Nesse período a União Nacional dos Estudantes e outras grandes instituições brasileiras formaram a Frente de Mobilização Popular. A UNE defendia mudanças sociais profundas, dentre elas, a reforma universitária no contexto das reformas de base propostas pelo governo.
A renúncia de Jânio Quadros em 1961 e a turbulência acerca da posse do vice João Goulart fizeram a UNE transferir momentaneamente sua sede, no ano 1961, para Porto Alegre. Ali, os estudantes tiveram atividade vital na chamada Campanha da Legalidade, movimento de resistência para garantir que Jango fosse empossado. Quando conseguiu chegar o poder, o presidente foi o primeiro da história a visitar a sede da UNE, já no Rio de Janeiro. Desde aquele período, crescia a tensão entre os movimentos sociais e os grupos conservadores da sociedade, entre eles os militares, que tentavam intimidar e coibir as ações da UNE.
Em 1962, a UNE lançou um projeto ousado, a mobilização a partir de caravanas que rodariam o Brasil. A primeira delas, que aconteceu naquele ano, foi a UNE Volante, que, em conjunto com o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, contribuiu para consolidar a dimensão nacional da entidade em todo o território do Brasil. Durante dois meses, a UNE foi ao encontro de estudantes de várias partes do país para debater a necessidade das reformas e entender a realidade brasileira com seus contrastes e potencialidades. Em 1964, o presidente da UNE José Serra foi um dos principais oradores do comício da Central do Brasil, que defendia as reformas sociais no país e foi um dos episódios que antecederam o golpe militar.
A DITADURA MILITAR DE 1964 A 1985
A primeira ação da ditadura militar brasileira ao tomar o poder em 1964 e depor o presidente João Goulart foi metralhar, invadir e incendiar a sede da UNE, na Praia do Flamengo 132, na fatídica noite de 30 de março para 1º de Abril. Ficava clara a dimensão do incômodo que os militares e conservadores sentiam em relação à entidade. A ditadura perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes. O regime militar retirou legalmente a representatividade da UNE por meio da Lei Suplicy de Lacerda e a entidade passou a atuar na ilegalidade. As universidades eram vigiadas, intelectuais e artistas reprimidos, o Brasil escurecia. Em 1966, um protesto em Belo Horizonte na Faculdade de Direito é brutalmente reprimido. No mesmo ano, também na capital mineira, a UNE realiza um congresso clandestino porão de uma igreja. Já no Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina da UFRJ, a ditadura reprimi com violência os estudantes no episódio conhecido como Massacre da Praia Vermelha.
Apesar da repressão, a UNE continuou a existir nas sombras da ditadura, em firme oposição ao regime, como aconteceu no ano de 1968, marcado por revoluções culturais e sociais em todo o mundo. Foi quando estudantes e artistas engrossaram a passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, pedindo democracia, liberdade e justiça. No entanto, os militares endureciam a repressão em episódios como o assassinato do estudante secundarista Édson Luis e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a prisão de cerca de mil estudantes. No fim do mesmo ano, a proclamação do Ato Institucional número 5 (AI-5) indicava uma violência ainda maior.
Nos anos seguintes, a ditadura torturou e assassinou estudantes como a militante Helenira Rezende e o presidente da UNE, Honestino Guimarães, perseguido e executado durante o período de clandestinidade da entidade. Mesmo assim, o movimento estudantil continuou nas ruas, como nos atos e missa de 7º dia da morte do estudante da USP, Alexandre Vannucchi Leme, em 1973.
Ao final dos anos 70, com os primeiros sinais de enfraquecimento do regime militrar, a UNE começou a se reestruturar. O Congresso de reconstrução da entidade aconteceu Salvador, em 1979, reivindicando mais recursos para a universidade, defesa do ensino público e gratuito, assim como pedindo a libertação de estudantes presos do Brasil. No início dos anos 80, os estudantes tentaram também recuperar sua sede na Praia do Flamengo, mas foram duramente reprimidos e os militares demoliram o prédio.
DIRETAS JÁ E FORA COLLOR
Com o fim da ditadura militar, o movimento estudantil voltou às ruas para defender suas bandeiras históricas e a consolidação da democracia no país. Em 1984, a UNE participou ativamente da Campanha das “Diretas Já”, com manifestações e intervenções importantes nos principais comícios populares daquele período. A entidade também apoiou a candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Em 1985, foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto, de autoria do deputado e ex-presidente da UNE Aldo Arantes, que trazia a entidade de volta para a legalidade.
Durante as eleições de 1989, a UNE se posicionou contra o projeto defendido pela candidatura de Fernando Collor de Melo, criticando seu aspecto neoliberal e distante das reformas históricas defendidas pelo movimento social. Quando o presidente envolveu-se em escândalos sucessivos de corrupção, o movimento estudantil teve papel predominante na mobilização dos brasileiros com o movimento dos jovens de caras pintadas na campanha “Fora Collor”. Em 1992, após enormes manifestações estudantis com repercussão em todo o país, o presidente renunciou ao cargo para não sofrer processo de impeachment pelo Congresso Nacional.
A UNE E A NOVA DEMOCRACIA BRASILEIRA
Após as turbulências da redemocratização do Brasil, o movimento estudantil passou a conviver, a partir de 1994, com novos desafios em um período de maior estabilidade política. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que ganhou duas eleições seguidas, as principais pautas dos estudantes foram a luta contra o neoliberalismo e a privatização do patrimônio nacional. Foi uma época de embate do governo federal com os movimentos sociais, marcando o período de menor diálogo e negociação da UNE com o poder executivo na história, à exceção do regime militar.
A UNE posicionou-se firmemente contra a mercantilização da educação, promovida pela gestão FHC. Durante seu governo, foram privilegiadas as instituições particulares de ensino, com o sucateamento das universidades públicas e atrito constante com professores, funcionários e estudantes das federais de todo o país. Outras bandeiras da UNE foram contra os abusos nas mensalidades do ensino particular e contra o Provão, sistema de avaliação institucional aplicado sobre as universidades brasileiras. O ano de 1999 marca a retomada do trabalho cultural da entidade com a realização da 1ª Bienal da UNE. No mesmo ano, o presidente cubano Fidel Castro participa do congresso da UNE em Belo Horizonte, no ginásio do Mineirinho. Já em 2001, é lançado o Circuito Universitário de Cultura e Arte (CUCA) da UNE.
Em 2002, uma grande coalizão das forças populares e democráticas do Brasil conduziu o metalúrgico e sindicalista Luís Inácio Lula da Silva à presidência do país. Os estudantes apoiaram a candidatura Lula após um plebiscito nas universidades. Durante a gestão do novo presidente, que também seria reeleito como seu antecessor, os estudantes reabriram o canal histórico de interlocução com o governo federal. Assim como Jango, Lula, por duas vezes, visitou pessoalmente a sede da UNE na mesma Praia do Flamengo 132.
A UNE avançou em suas reivindicações, defendendo a reforma universitária, com aumento do acesso e permanência dos jovens brasileiros no ensino superior. Em 2004, foram realizadas duas caravanas da UNE por diversos estados do país levando aos estudantes temas como a própria reforma e também a cultura. Foram elas a “Caravana UNE pelo Brasil” e a “Caravana Universitária de Cultural e Arte – Paschoal Carlos Magno”. O resultado da atuação da entidade e do debate sobre a reforma foi a criação, junto ao governo federal, de programas como o ProUni, que garante bolsas em universidades particulares para estudantes de baixa renda, e o Reuni, programa de expansão das vagas em universidades públicas. Em 2005, o estudante paulista Gustavo Petta se tornou o primeiro presidente reeleito da UNE.
Em 2007, após uma grande manifestação no Rio de Janeiro, os estudantes ocuparam o terreno de sua antiga sede, na Praia do Flamengo, que havia sido demolido pela ditadura militar e estava de posse de um estacionamento clandestino. Após a ocupação e com a montagem de um acampamento que se prolongou por meses, a UNE ganhou na justiça a posse do local e, alguns anos depois, o reconhecimento completamente unânime do Congresso Nacional de que o Estado brasileiro tinha uma dívida com os estudantes pela invasão, incêndio e demolição da sua sede. Em 2010, um dos últimos atos do presidente Lula no cargo foi inaugurar, no local, as obras para a reconstrução do prédio da UNE.
UNE SÉCULO XXI
Neste início de século 21, o movimento estudantil diversificou sua atuação, em direção às principais demandas da juventude brasileira. A UNE se mobiliza em grandes Bienais, que valorizam áreas como ciência, tecnologia e esporte, em movimentos de estudantes negros, mulheres, gays, lésbicas e outros grupos. Em 2008, a entidade realizou mais uma caravana nacional, desta vez pautando também temas como a saúde e qualidade de vida da população jovem brasileira. Além disso, a UNE tem papel central na Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE), integrando suas lutas às dos jovens dos demais países do continente. O movimento estudantil brasileiro hoje defende bandeiras como a do software livre, inclusão digital, meio ambiente, segurança pública e o protagonismo positivo do Brasil, enquanto nação emergente, no novo cenário mundial.
Em 2010, a UNE apoiou no segundo turno a candidatura de Dilma Rousseff, ex-militante estudantil que se tornou primeira mulher presidente do Brasil. Duas conquistas histórica nesse período marcam o movimento estudantil: a aprovação da PEC da Juventude no Congresso Nacional, incluindo na constituição o termo juventude e dessa forma reconhecendo os direitos dessa parcela da sociedade, e a aprovação da emenda ao projeto de lei do Pré-sal que garante a destinação de 50% do fundo social, que irá gestar os recursos da camada do novo petróleo brasileiro, exclusivamente para a educação.