HÁ UM MÊS, A AGENCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) DIVULGOU OS RESULTADOS DE UM ESTUDO INICIADO EM
2010 SOBRE A CONTAMINAÇÃO DE ALIMENTOS POR AGROTÓXICOS - E SUAS CONCLUSÕES
DEIXARAM QUASE EM PÂNICO OS CONSUMIDORES QUE SE PREOCUPAM EM PÔR À MESA APENAS
AQUELAS FRUTAS E HORTALIÇAS QUE COLABOREM COM SUA SAÚDE.
No balanço geral da Anvisa 28% dos produtos
avaliados foram considerados insatisfatórios; no topo do ranking vinha o
pimentão (com assustadores 91,8% de amostras contaminadas), seguido por
morango, pepino, alface e cenoura. Estariam os brasileiros, então,
intoxicando-se perigosamente cada vez que levam o garfo à boca e arriscando uma
doença grave no futuro? Definitivamente, não: quando se esmiúça o relatório,
vê-se que muito do receio que ele provocou é exagerado ou infundado. Para
explicar por que é assim, VEJA conversou com oito engenheiros agrônomos que
atuam em centros de referência do assunto no país.
Antes de mais nada: por que os agricultores se valem de produtos que, em
seu próprio nome, já trazem o sufixo "tóxico"?
A palavra "agrotóxico" é
imprecisa e algo carregada de um julgamento de valor - resquício do tempo, há
muito deixado para trás, em que essas substâncias eram colocadas o mercado sem
pesquisa suficiente sobre suas propriedades e seus efeitos, e usadas de forma
indiscriminada. O nome certo é "defensivo agrícola", uma vez que esses
produtos servem não para intoxicar a lavoura ou o consumidor, mas sim para
defender a plantação de pragas, insetos e parasitas e evitar que ela se perca.
O Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos avaliou 2488 amostras de dezoito tipos de alimento -
abacaxi, alface, arroz, batatam beterraba, cebola cenoura, couve, feijão,
laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho e tomate. A
escolha das variedades obedeceu à combinação de três parâmetros: os dados de
consumo do IBGE (que levanta os itens mais comuns na mesa dos brasileiros), a
disponibilidade nos supermercados e as culturas em que o uso de defensivos é
costumeiramente intensivo, por serem mais vulneráveis a pragas ou pestes. Os
vegetais foram coletados e analisados em 2010.
A classificação segui dois critérios:
resíduo, no alimento, de defensivo acima do limite permitido e detecção do uso
de defensivo não autorizado para aquela determinada cultura. Das 2488 amostras,
694 foram consideradas irregulares.
Apenas 3,6% dos produtos avalidos
revelaram teor de agrotóxico acima do limite máximo de resíduo (LMR), índice
que determina o consumo sem riscos à saúde. Ou seja, das 2488 amostras, 89
foram reprovadas. Isso pode acontecer por dois motivos: porque o agricultor
aplicou na lavoura uma dose acima da indicada ou porque desrespeitou o chamado
período de carência - o intervalo mínimo entre o uso do pesticida e a colheita,
tempo em que o defensivo se degrada e perde sua toxidade para os seres humanos.
Em geral, muito pouco. Segundo
toxilogista Ângelo Trapé, professor da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), esse é um quesito em que o receio é quase sempre injustificado, já
que as margens de segurança são altíssimas. Para definirem o nível de seguro de
resíduos de defensivos agrícolas que um ser humano pode ingerir diariamente, os
cientistas primeiro realizam estudos em animais. O valor que não apresenta
riscos para eles é então dividido por 100 - e assim se chega ao limite máximo
aceitável para o homem. Ou seja, o nível de resíduo detectado nas amostras
coletadas teria de estar 1000% acima do permitido para que se começasse a
pensar em risco real. E nenhum caso dessa monta foi verificado.
Não, eles eram comercializados
legalmente no país. O que acontece é que cada produto deve informar, no rótulo,
o tipo de alimento ao qual é destinado. "Para registrar um novo produto, o
fabricante gasta mlhões de dólares. E, mesmo quando a marca já está no mercado,
incluir uma nova cultura no rótulo custa entre 35000 e 40000 dólares",
explica Luís Rangel, coodenador-geral de agrotóxico do Ministério da
Agricultura. Resultado: como o processo é oneroso, as empresas preferem
investir em defensivos que serão vendidos aos grandes produtores, como setores
de algodão, soja e milho, em detrimento daqueles destinados às culturas
pequenas, como as hortaliças. "Assim, quando não há defensivo registrado
para eliminar pragas que atacam uma cultura pequena, o produtor se vê obrigado
a recorrer a um defensivo não autorizado, mas que traz o princípio ativo do
qual ele necessita", explica Celso Omoto, professor da Faculdade de
Engenharia Agrônomica da Universidade de São Paulo, em Piracicaba.
Não necessariamente. As pesquisas
mostram que um defensivo não oferece mais ou menos riscos à saúde se aplicado
neste ou naquele alimento. Ou seja, o produto X, indicado para tomante, não
ficará mais tóxico por ser utilizado no pimentão. "O problema está na
soma: resíduos de um mesmo agrotóxico em vários dos alimentos que constam da dieta
de uma pessoa podem vir a extrapolar seu limite máximo", diz Luiz Cláudio
Meirelles, gerente-geral da toxicologia da Anvisa. Mas a situação não é
alarmante. "Como a margem de segurança para o cálculo do LMR é alta, é
muito provável que o consumo desses alimentos não ofereça nenhuma implicação à
saúde", diz o médico patologista João Lauro Camargo, da Faculdade de
Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
De forma alguma. Isso vale para todos
os dezoito alimentos avaliados. "Como os resíduos apresentados estão
dentro de níveis seguros - quando houve excesso, ele era irrisório - não há
motivo para a preocupação em termos de saúde pública", explica Ângelo
Trapé, da Unicamp.
Não, pois o defensivo penetra na
polpa do alimento ou circula pela seiva da planta. Nas últimas semanas, muitas
"receitas" para remover defensivos circulam por aí - inclusive em
telejornais de grande alcance -, como lavar os alimentos com água e sabão ou
mergulhá-los em uma solução de hipoclorito de sódio, que nada mais é do que
água sanitária diluída. Pura balela. "A lavagem com qualquer uma dessas
susbtâncias remove micróbios e coliformes fecias, mas não os resíduos
químicos", explica o engenheiro agrônomo José Otávio Menten, professor da
Universidade de São Paulo em Piracicaba. A fruta e a verdura ficam limpinhas, o
que é ótimo. Mas o que houver de resíduo químico nelas continuará ali.
Descascar o alimento ou retirar as
folhas externas dos maços de alface, por exemplo, elimina apenas o resíduo
presente nesses partes do vegetal. O que está nas outras partes permanece. Além
disso, as cascas de muitos alimentos são altamente nutritivas, e descartá-las
pode ser um desperdício.
Não. O que determina se algum resíduo
permanecerá no alimento é o manejo do produto na lavoura: a quantidade
empregada e o período de carência indicado para aquela substância em
particular. Se tudo for feito conforme a bula, entre o dia da aplicação do
defensivo e o da colheita a dose correta sofrerá degradação natural com a ação
dos raios solares, da chuva e de microrganismos.
"Não existe comprovação
científica de que o consumo a longo prazo de resíduos de pesticidas nos
alimentos provoque problemas graves em seres humanos. A associação entre o uso
de defensivos e a ocorrência de câncer, malformação fetal ou distúrbios
neurológicos só foi demonstrada em animais expostos a concentrações altíssimas
desses produtos", diz o toxicologista Flávio Zambrone, presidente do Instituto
Brasileito de Toxicologia. Também não há casos de intoxicação aguda provocada
pela ingestão de um alimento contaminado.
Apenas quando eles não respeitam as
regras de uso. "Os principais efeitos adversos são problemas
gatrointestinais e dermatológicos provocados por exposição a doses
elevadas", diz Ângelo Trapé. Os equipamentos de segurança e as precauções
recomendadas pelos fabricantes reduzem drasticamente os riscos de contaminação.
"Como o Brasil é um dos países mais rigorosos no processo de registro de
agrotóxicos, os produtos disponíveis no mercado são seguros", diz a
engenheira agrônoma Rumy Goto, da Unesp.
Sim, com programas educacionais que
ensinem o agricultor a escolher o produto certo, aplicar a dose correta e
respeitar o período de carência para a colheita segura. O produtor pode, por
exemplo, optar por agrotóxicos seletivos, que agem na praga sem extirpar seus
inimigos naturais. Assim, o inseticida que nata o pulgão (praga) não elimina a
joaninha (que se alimenta de pulgões e, assim, provome o controle natural da
praga), o que reduz a necessidade de mais defensivos. Outra solução envolve
manejos agrícolas, como a rotação de culturas para quebrar o ciclo de vida da
praga. "O produtor deve entender que existem diversas ferramentas para
controlar pragas. Sem esse conhecimento, ele acaba optando pelo produto mais
barato ou não autorizado para aquela cultura", diz o engenheiro agrônomo
Celso Omoto, da USP.
Por enquanto, não. Mas o Ministério
da Agricultura pretende criar um cadastro de produtores multados por uso
indiscriminado de defensivos agrícolas e disponibilizá-lo para consulta pública
em seu site. Essa medida poderá incentivar os bons produtores a identificar
seus produtos com um selo, como já é possível encontrar nas gôndolas de
supermercados
ORGÂNICOS EM PRATOS LIMPOS
O temor de que alimentos com defensivos agrícolas façam mal á saúde tem
feito com que muitos consumidores cogitem substituir frutas, verduras e legumes
convencionais por seus equivalentes “orgânicos”, ainda que tenham de
desembolsar o dobro por isso. Veja o que dizem os especialistas sobre esse tipo
de cultivo.
O que são alimentos orgânicos:
Aqueles cultivados sem o uso de agrotóxicos ou hormônios de
crescimento.
O que é permitido numa cultura orgânica:
Plantar ervas daninhas que atraiam para si as pragas, usar
adubos naturais, como esterco, e empregar extratos vegetais, como os de nim e
pimenta, para combater pestes. No entanto, segundo os engenheiros agrônomos
Rumy Goto, da Unesp, e José Otávio Menten, da Universidade de São Paulo,
algumas exceções são permitidas. “Para nutrirem o solo, os agricultores usam
fertilizantes á base de compostos químicos, como o sulfato de potássio”, diz
Rumy. Mentem destaca ainda a utilização, na plantação orgânica, de defensivos
amplamente empregados na agricultura convencional, como o enxofre, a calda de
fumo e a calda de bordalesa (mistura de sulfato de cobre com cal). Essas
substâncias, porém, não são inofencivas. “Todos esses produtos “orgânicos”
deveriam ser submetidos a avaliações”, defende Mentem.
Como identificá-los:
Desde janeiro de 2011, os orgânicos vendidos em lojas e
supermecados vêm com um selo do Ministério da Agricultura. Nas feiras, o
consumidor deve verificar se o vendedor possui o cadastro de agricultor orgânico.
A lista de habilitados está no site Prefira Orgânicos
(www.prefiraorganicos.com.br). Não que isso seja garantia, entretanto. As
regras para o credenciamento e a fiscalização são um bocado vagas e têm muitas
lacunas. Por isso mesmo, algumas grandes redes de varejo se certificam de que
não estão vendendo gato por lebre testando elas próprias em laboratório,
periodicamente, amostras dos vegetais que exibem em suas gôndolas.
Quem fornece o selo:
O produtor pode obtê-lo de duas maneiras. A primeira é contratar
uma das seis empresas credenciadas pelo governo para o serviço. Elas avaliam a
qualidade do solo e da água de plantação antes de fornecer o selo. A outra são
chamadas de Sistemas participativos de Garantia (SPG) em que um grupo de
prdutores se reúne com consumidores, pesquisadores e técnicos, seja eles
agrônomos ou não, e solicita autorização ao Ministério da Agricultura para se
certificar.
Quem fiscaliza:
Não há fiscalização sobre o comércio de orgânicos em feiras
livres. Nos outros casos, ela é feita pelas próprias empresas que concedem os
selos ou pelos grupos formados nos SPG. As regras para a fiscalização, que deve
acontecer pelo menos uma vez por ano, não são claras, nem são exigidas análises
periódicas para detectar eventuais resíduos de defensivos químicos nas
plantações. “Esse tipo de avaliação só ocorre quando há um denúncia ou quando
se constata um risco, como a identificação de uma plantação vizinha que utiliza
produtos químicos”, diz Rogério Pereira Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério
da Agricultura.
Riscos:
Sem o controle adequado de produção e
armazenagem, as plantas orgânicas podem ser contaminadas por fungos ou por
bactérias como a salmonela e a Escherichia coli. Um caso célebre aconteceu na
Alemanha, em junho de 2011: mais de quarenta pessoas morreram e milhares foram
parar no hospital após ingerir brotos de feijão de uma fazenda orgânica
contaminados com E. coli. Ou seja, não só por ser orgânico um produto é
necessária e automaticamente mais saudável que o similar cultivado como o
auxílio de defensivosFonte:
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